A destrutividade e as formas complexas da sobrevivência do objeto

 

20-08-2009 Sobrevivência do Objeto – Com rev técnica e Ortográfica Sobrevi

A destrutividade e as formas complexas da sobrevivência do objeto

 

  1. Roussillon

 

Winnicott fez uma descrição da questão da sobrevivência do objeto, que ele situa na relação precoce com a mãe. O autor propõe uma larga ampliação de tal questão e descreve suas formas complexas tanto na infância quanto na adolescência, formas que dizem respeito tanto à questão da sobrevivência do objeto e à sua descoberta como outro-sujeito quanto à sobrevivência dos processos psíquicos sob a ação de processos contraditórios.

 

Descritores: Destrutividade. Conflito. Ambivalência. Autoerotismo. Adolescência. Orgasmo. Sobrevivência.

 

 

As reflexões que desejo desenvolver neste artigo dizem respeito à contribuição da noção winnicottiana de sobrevivência do objeto para a análise da destrutividade e das especificidades de suas expressões clínicas. Proponho a hipótese de que a problematização da questão da sobrevivência do objeto introduz uma mudança paradigmática graças à qual um certo número de aspectos da expressão da destrutividade que caracteriza as problemáticas narcísico-identitárias (mas, provavelmente, além de todas as formas da destrutividade) torna-se dinamicamente interpretável. Considero essa noção indispensável hoje para manter, diante da explosão de suas manifestações, uma posição autenticamente psicanalítica ante a destrutividade.

A questão da sobrevivência do objeto é, sem dúvida, junto com a noção da transicionalidade, uma das contribuições de Winnicott (ano. Não tem a referência) mais difundidas no pensamento psicanalítico contemporâneo, o que não significa, porém, que sempre seja simples e que suas consequências sejam bem compreendidas. Quanto a mim, desde muito cedo, já em 1978 (não tem a refer.), percebi que a hipótese de Winnicott relativa ao uso do objeto propunha uma forma de revolução em nossa concepção da gênese do sentido da realidade do objeto, não da percepção do objeto, mas de sua concepção e de sua descoberta como outro-sujeito. Winnicott (ano e não tem a refer.) introduziu outra verdadeira modificação paradigmática que consiste em considerar que uma parte do devir de um processo psíquico depende da interpretação do outro-sujeito, daquele a quem se destina o processo, portanto, de sua resposta.

Na série de artigos dedicados ao uso do objeto e reunidos na coletânea Explorações psicanalíticas (não tem a ref.), Winnicott (1965) descreve sobretudo a questão da sobrevivência do objeto relacionada com a destrutividade e, especialmente, a sobrevivência do objeto primário. Precisei de algum tempo, além de ter tido de passar pelos arcanos da transferência passional de uma de minhas analisandas, para começar a pensar que o processo descrito por Winnicott não poderia restringir-se à destrutividade manifesta e dizia respeito, na verdade, ao conjunto da vida pulsional e de seu potencial destrutivo; levei mais algum tempo para considerar que Winnicott propusera uma forma exemplar, uma forma primeira, mas que a vida psíquica revelava outros aspectos, alguns primeiros e prototípicos e outros mais tardios; e, por fim, mais tempo ainda para pensar que aquilo que ele descrevera acerca da relação com o objeto primário também vale na relação com o pai e deve ser relacionado com a questão do assassinato do pai no mito da horda primitiva: nesse mito, o pai também não sobrevive ao mal.

Desde então a questão da sobrevivência do objeto e todo o contexto teórico-clínico que ela envolve me pareceram ser transversais às diferentes épocas e problemáticas da vida e do desenvolvimento, tendo, portanto, um status quase estrutural. Essa problemática descreve uma dialética particular que concerne à relação que o sujeito mantém com sua vida pulsional ligada às respostas e reações dos objetos significativos (os objetos investidos como significativos) de sua infância e, de modo mais geral, de sua história.

Para entender a forma desta matriz, talvez o melhor seja retomar os diferentes tempos de emergência do processo descrito por Winnicott, descrever, em seguida, suas formas mais tardias e complexas e complexizar assim, progressivamente, a dialética que os organiza.

 

O modelo de Winnicott

 

A problemática da sobrevivência do objeto é descrita num primeiro tempo por Winnicott (1965) acerca da primeira infância e da construção da concepção da realidade externa e da diferenciação Eu/objeto.

Para Winnicott, ela não surge do encontro com a frustração (em todo caso, não primitivamente), que, nesses tempos primitivos, não pode senão produzir uma ilusão negativa (Roussillon, 1991), isto é, a ilusão de ter produzido o negativo, em razão do narcisismo dominante da criança pequena. Ela surge antes da frustração da destrutividade: o objeto é destruído, deve sobreviver ao ataque destrutivo e será descoberto se sobreviver. Sobreviver significa aqui, para Winnicott, não exercer represálias, não se retirar.

Proponho acrescentar que as duas propriedades destacadas por Winnicott são experimentadas quando o objeto é atingido, mas permanece criativo.

O objeto deve ser atingido e acusar recebimento, pois sem isso o sujeito tem o sentimento de que o ataque lançado escorrega sobre ele e a destrutividade é exacerbada.

Por outro lado, não se pode definir a sobrevivência unicamente dizendo o que ela não é – não é retirada, nem revide ou represálias –, é preciso também formular suas condições positivas; o objeto deve permanecer criativo, pois é assim que demonstra estar vivo.

O objeto é então descoberto como aquilo que resiste à destrutividade, é descoberto como outro-sujeito, isto é, sujeito de desejos e movimentos que lhe são próprios, ele é concebido como outro-sujeito. Desse modo, coloca-se fora da onipotência do bebê. Desde então, suas respostas aos movimentos pulsionais do sujeito adquirem importância, e ele não pode mais ser simplesmente pensado na lógica da relação de objeto, que não aborda nem define o objeto senão a partir do modelo da pulsão que o investe (fala-se então de relação de objeto oral, anal, genital, etc.). Ele deve também ser considerado específico por suas respostas e reações aos movimentos pulsionais do sujeito, para então, diz Winnicott, ser descoberto em si, ou seja, neste caso, não tomado no para si do narcisismo: o objeto é também para ele, em parte, independente do sujeito. A lógica do modelo de Winnicott pode ser reconstruída do modo descrito abaixo.

 

Lógica do modelo: do encontrado-criado ao destruído-criado

 

A primeira ilusão do bebê de uma autossatisfação torna-se possível graças à suficiente adaptação materna (efeito da preocupação materna primária) e sua capacidade de colocar (dar) o seio ali onde (quando) a criança é capaz de criá-lo: a alucinação encontra a percepção e cria uma formação mista que não é mais uma alucinação, tampouco uma simples percepção, mas cria uma ilusão. No encontro primordial, o objeto criado é encontrado, o objeto encontrado é criado, o objeto é encontrado-criado. A apropriação subjetiva torna-se possível graças à instauração desse tipo de ligação primordial, que, por sua vez, torna possível a ilusão primeira de autossatisfação. Como se pode constatar nesse modelo, percepção e alucinação não se opõem, podendo coexistir, o que Freud (ano) perceberá perto do fim de sua vida em Construções em análise. (falta a referência).

Além disso, é preciso ressaltar que a concepção proposta por Winnicott do rosto da mãe como espelho primeiro no qual o bebê se vê e vê seus afetos está estreitamente ligada aos processos em encontrado-criado, sendo este um de seus casos particulares. De fato, o encontrado, geralmente o que o entorno fornece ao bebê, será considerado por este, quando a adequação for suficiente[1], como o espelho do que ele é capaz de criar. A relação homossexual primitiva em duplo (Roussillon, 2004) contribui para os processos em encontrado-criado tanto quanto estes a alimentam.

Para Winnicott, o encontrado-criado é um pré-requisito para os processos de diferenciação, de sua qualidade depende em grande parte o que seguirá. Nota-se também que a experiência subjetiva da ilusão primeira cria uma formação mista e que o modelo proposto por Winnicott a respeito do seio é também pertinente para os diferentes sistemas de comunicação e de troca (os ajustes e as sintonias) que se estabelecem entre o bebê e seu entorno.

Talvez seja útil, de passagem, traçar pontes entre as proposições de Winnicott e aquelas de diferentes autores posteriores, convergentes nesses aspectos, embora isso não seja destacado. Little (ano e falta a referência) sugeriu, acerca das experiências primitivas de encontro com o objeto materno, que estas formavam um núcleo de experiência de oneness (de ser como um), necessário para que as futuras experiências de separação sejam vividas em boas condições. É preciso começar por criar o estado de oneness antes de sair das experiências primitivas. Por sua vez, Anzieu (ano e falta a refer.) também insistiu na importância da criação do que ele chama de pele comum, cuja qualidade, neste caso novamente, condiciona os futuros descolamentos e evita que a separação produza vivências de arrancamento. Por fim, Mc Dougall (ano e falta a refer.) explorou o futuro de certas formas de fracasso da dialética uníssono/diferenciação das experiências comuns, descrevendo formas de conservação, nas patologias narcísico-identitárias, de zonas comuns e não diferenciadas, principalmente partes do corpo que mantiveram um status siamês com a mãe: um corpo (ou uma parte do corpo) para dois, ou então, estendendo suas proposições, uma psique (ou uma parte da psique) para dois. A noção de afeto compartilhado proposta por Parat (ano e falta a ref.) me parece ter também os mesmos aspectos implícitos: o compartilhamento de afeto produz afetos comuns.

Proponho, além disso, articular a concepção winnicottiana dos modos de presença materna como espelho primário do sujeito com a problemática melancólica, tal como Freud a resumiu na famosa expressão “a sombra do objeto recai sobre o Eu”. Em Luto e melancolia, Freud (ano e falta a ref.) assinala a importância da decepção oriunda do objeto no processo da melancolia do modo como o descreve. Parece-me que uma das decepções mais precoces, e provavelmente uma das mais fundamentais, seja a de não encontrar no objeto um eco suficiente das expectativas e dos ímpetos do bebê. A sombra do objeto concerne, então, à falha na função de espelho deste, seus pontos cegos; a sombra é aquilo que, vindo do objeto, não remete nada de si próprio ao sujeito; é a ausência de eco que constitui a sombra do objeto e que está na origem dos pontos de indiferenciação sujeito-objeto.

Voltemos aos diferentes tempos do modelo de Winnicott. A ilusão é, em seguida, pouco a pouco derrubada pela experiência da desadaptação progressiva da mãe, que, ao sair do estado de preocupação materna primária, introduz uma série de distanciamentos entre o que ela fornece ao bebê e o que este espera, portanto, entre o encontrado e o criado. Esses distanciamentos mobilizam movimentos de destrutividade no bebê, que se enraivece contra tudo, contra ele mesmo e o mundo, sob a impressão de ter perdido-destruído sua capacidade de satisfação (de autossatisfação).

O que virá dependerá da regulação da culpa materna. Se a mãe se sentir culpada demais por não estar mais perfeitamente adaptada ao bebê, ela reagirá ora tentando compensar ou mesmo reparar os supostos danos, ora deprimindo-se ante a tirania do bebê ou da situação. Essas reações modificam o modo de contato e de encontro da mãe com o bebê, e este não reencontra o objeto anterior, que lhe parece então destruído. Se, por outro lado, a mãe não se sentir culpada demais, se ela conseguir restabelecer o contato com o bebê de um modo suficientemente semelhante ao modo habitual, o bebê viverá a experiência de que o objeto sobrevive à suposta destruição e é descoberto como relativamente independente do movimento pulsional do bebê, é descoberto como sujeito outro, como outro-sujeito, possuindo sua vida própria e seus próprios desejos, fugindo da onipotência ilusória do bebê. Este sai então do narcisismo primário, no qual é fonte e agente da sua própria satisfação.

O bebê, diz Winnicott (ano), pode então começar a estabelecer uma diferença entre o objeto da fantasia, aquele que ele teve a ilusão de destruir e destruiu em sua fantasia, e o objeto externo, isto é, o outro-sujeito. A tópica psíquica pode começar a organizar-se, a diferenciar a realidade interna, aquela na qual a destruição onipotente do objeto pode ter lugar, da realidade externa, na qual este objeto não é destruído e sobrevive. Uma diferença entre a representação do objeto – no vocabulário winnicottiano, o objeto subjetivo – e o objeto externo pode começar a se construir.

Observemos, de passagem, que, se o bebê encontrasse sua mãe exatamente semelhante àquela que ele acreditava ter destruído, isso equivaleria a uma anulação de sua vivência subjetiva de destruição. Isso implica em que o objeto seja atingido, como assinalei anteriormente, o que dá o seu valor à experiência de destruição que atesta a realidade psíquica desta, e que ele sobreviva, o que delimita seu campo. Eu levantaria facilmente a hipótese de que essa dialética é subjacente às vivências de transformação progressiva da relação com a mãe e, de modo mais geral, com os objetos. Pode-se também dizer que a mãe é de fato atingida, tanto por encontrar a raiva destrutiva do bebê, que ela percebe como lhe sendo dirigida e estando ligada à sua própria retomada de liberdade e independência, quanto porque, ao mesmo tempo, tal experiência é significativa do fato de certo estado relacional tomar fim. De certa maneira, para a mãe também, é preciso que o vínculo com o bebê sobreviva a essa raiva. Portanto, a mãe também percebe uma transformação na relação.

Além disso, Winnicott assinala que, tão logo descoberto, o objeto pode começar a ser amado – isso requer comentário. O objeto começa a ser amado, pois o amor supõe um objeto outro-sujeito, mas também porque, propriamente falando, não pode existir pulsão verdadeira se o objeto for puramente subjetivo. De fato, se considerarmos que a pulsão é uma montagem de quatro termos, como Freud (1905) propõe nos Três Ensaios (falta a ref.), a fonte, a pressão, a meta e o objeto, então é preciso admitir que a pulsão supõe uma diferenciação entre a fonte e o objeto. O objeto da pulsão oscila, assim, entre uma definição dada pela representação interna do objeto (mas esta tem uma história, já tendo sido forjada no encontro com o objeto) e uma definição em que, tendo sido transferida para o objeto outro-sujeito, tal representação depende também da resposta desse objeto outro-sujeito e oscila entre uma representação autoerótica interna e uma apresentação externa. Retomaremos essa questão mais adiante quando abordarmos a retomada ao objeto do narcisismo secundário.

A concepção de Winnicott (ano e falta a ref.) supõe, portanto, uma concepção da vida pulsional que depende tanto das montagens quase biológicas do sujeito e dos seus ímpetos, quanto das respostas que o objeto fornece aos ímpetos pulsionais do sujeito, oriundos das montagens biológicas. Impõe também que se concebam diferentes modos de organização da pulsão e que um lugar seja reservado ali para a organização (ou a desorganização) trazida pelo objeto. Quer seja pela experiência do encontrado-criado ou por aquela que propus denominar o destruído-encontrado, o devir da potencialidade pulsional não pode ser concebido independentemente do objeto e das respostas que ele fornece às moções pulsionais do bebê. Foi também isso que levou Winnicott (ano e falta a ref.) a considerar que o excesso de destrutividade clínica não era atribuível a uma intolerância constitucional à frustração e que, quando os ataques invejosos primários eram significativamente intensos, isso demonstrava não um estado de fato, ligado apenas aos parâmetros próprios do sujeito, mas representava um indício de que ele havia atravessado estados traumáticos precoces: seja porque a experiência da ilusão primária em encontrado-criado se tenha mal construído, seja porque o objeto tenha sobrevivido mal às primeiras raivas do bebê.

 

A matriz da conflitualidade e a questão da sobrevivência

 

Outra consequência diz respeito à capacidade de satisfação. Antes o bebê se autoatribuía tal capacidade. A descoberta da existência do objeto outro-sujeito leva o bebê a modificar sua atribuição da origem da satisfação, e esta começa a lhe parecer como tendo sido trazida pelo objeto. O objeto é então idealizado, para ele se transfere a primeira representação de um ideal oriundo da experiência subjetiva do narcisismo primário, estado no qual “tudo se produz, inteiramente só, tudo junto, imediatamente, tudo em um…”2 . O sujeito atribui a representação do ideal da satisfação ao objeto, que se torna a fonte de todo bem e é amado por isso. No entanto, na medida em que o objeto é fonte de satisfação, ele é também fonte de dependência; ele pode faltar, ser odiado por isso e destruído na fantasia.

Tocamos aqui em um segundo aspecto da questão da sobrevivência: o amor pelo objeto sobreviverá ao ódio gerado pela dependência que ele ocasiona e que fere o Eu da criança? Um sentimento sobreviverá à presença de outro sentimento que lhe é contraditório e entra em conflito com ele? A organização do conflito psíquico depende disso. Em caso de fracasso, é preciso então clivar os dois sentimentos, proteger um do outro separando-os.

A questão da sobrevivência toma aqui uma forma interna, concernindo então à maneira como os processos podem coexistir dentro do aparelho psíquico. Certas formas do ataque ao vínculo, descrito por Bion (ano e falta a ref.), remetem a essa problemática, visam a experimentar a força do vínculo e põem em xeque sua sobrevivência à destrutividade de uma forma que eu me sentiria inclinado a denominar prova de realidade interna. Se o amor resistir ao ódio, então ele é sentido como sólido e fiável, e o conflito de ambivalência pode organizar-se; em caso de não resistir, restará do amor somente o que é ruim, e será preciso tentar protegê-lo de todas as maneiras possíveis, pois sua manutenção é vital para a vida psíquica e a relação com o objeto.

Evidentemente, a sobrevivência do amor depende também da força do ataque do ódio, que, por sua vez, depende da intensidade da ferida ligada à dependência. A dependência só é tolerável se não for (absolutamente) total, para que o sujeito possa desenvolver seus autoerotismos a fim de lutar contra ela ou torná-la a mais relativa possível. Duas vias eróticas entram então em conflito.

A primeira passa pelo objeto outro-sujeito, aceita reconhecer sua dependência em relação ao objeto, tenta reduzi-la desenvolvendo meios de ação sobre este: dominação, sistema de comunicação, etc. A outra desenvolve as capacidades autoeróticas. É então a representação interna do objeto que é convocada, e, com ela, as satisfações obtidas do objeto tentam ser reencontradas dentro dos sistemas auto. O autoerotismo tenta retomar do objeto o que a idealização anterior lhe havia atribuído.

De novo, a questão é saber se essa conflitualidade encontrará uma via suficientemente harmoniosa de resolução: a via heteroerótica desenvolve-se principalmente na presença do objeto e a via autoerótica, ao contrário, quando o objeto não está disponível ou está ausente. Mas é preciso saber ainda se a via heteroerótica sobrevive e resiste ao desenvolvimento da via autoerótica, ou se a criança, mesmo na presença do objeto, tentará manter a qualquer custo a afirmação de sua independência ou, inversamente, se não pode desenvolver a via autoerótica por temer que a relação com o objeto tenha sido muito atingida e danificada por ele.

Uma parte do que está em jogo dependerá então da qualidade e do bom desenvolvimento dos autoerotismos, isto é, do grau de sentimento de culpa que pode estar ligado à sua manifestação. Isso levanta a questão da culpa ligada aos autoerotismos e à vivência de retomada ao objeto que estes envolvem. De fato, o narcisismo secundário, como assinala Freud (ano e falta a ref.) numa expressão notável, é retomado ao objeto, isto é, o narcisismo secundário é aqui o desenvolvimento dos autoerotismos.

Se há retomada ao objeto, a questão é saber se e como o objeto é atingido por essa retomada e se ele sobrevive a esse atentado.

Situa-se aqui um terceiro nível da questão da sobrevivência do objeto. O objeto e a relação com ele sobreviverão ao movimento de reapropriação que caracteriza a via autoerótica? O objeto retomará por seu turno aquilo de que o sujeito tenta se apropriar a partir do que recebeu e experimentou no encontro com ele? A relação com o objeto será destruída pelo processo de autonomização implícita nos autoerotismos? Pôr a trabalhar essas questões é um dos desafios da capacidade de estar sozinho na presença do objeto, que cria um dispositivo relacional no qual se pode explorar e experimentar a reação do objeto ao desenvolvimento dos autoerotismos e das fantasias que os acompanham. A experiência de solidão na presença do objeto, ou melhor, segundo a leve modificação da expressão de Winnicott que proponho para dar mais destaque ao ângulo vivo, “a experiência da capacidade de estar só diante de sua pulsão na presença do objeto”, oferece uma situação intersubjetiva na qual o objeto é suficientemente discreto para manter a ilusão da solidão, portanto, o recurso aos autoerotismos, e, ao mesmo tempo, o objeto está suficientemente presente para explorar sua reação.

Na situação típica, aliás, aquela que procura reproduzir-se durante a sessão de análise, a criança brinca aos pés da mãe, brinca de ser o objeto, isto é, brinca de se tornar o objeto, retoma para si no brincar as capacidades do objeto. Surge então a questão da reação do objeto ao jogo da criança e aos seus desafios apropriativos. A sequência depende do que se produz então no objeto outro-sujeito. Se a mãe desinvestir a criança, se ela se retirar completamente dessa forma paradoxal de vínculo, portanto, se ela abandonar a criança, ou, ao contrário, se intervier de uma ou de outra maneira no jogo, então a criança vivencia esses modos de reação – a criança vigia a mãe lançando-lhe um olhar, explora assim as reações desta, a observa observando – como respostas aos desafios de seu movimento apropriativo e, não sem razão quanto às trocas inconscientes, como represálias ao seu jogo e à apropriação subjetiva que este envolve. Inversamente, a criança espreita a aprovação discreta da mãe, espreita uma forma de reconhecimento que lhe assegure que o objeto sobrevive sem ser muito atingido.

Da parte da mãe, pode-se imaginar um conflito entre, de um lado, o fato de perceber que a criança começa a se separar um pouco dela a partir do desenvolvimento de seus autoerotismos e dos aprendizados subjacentes a estes, o que implica um trabalho de luto e renúncia, e, de outro, a satisfação substitutiva de ver seu filho crescer e desenvolver-se. É justamente essa correspondência entre as vivências dos dois protagonistas da cena que faz com que o brinquedo da criança e a reação da mãe não se desenvolvam ao acaso e, sim, de verdade do ponto de vista dos desafios profundos da cena.

Acabamos de apresentar um breve quadro da matriz da conflitualidade humana com suas três faces – conflito de ambivalência, conflito entre autoerotismo e heteroerotismo, conflito dentro do autoerotismo – e destacamos a ligação existente entre esses três aspectos da conflitualidade de base e o lugar ocupado, a cada vez, pela questão da sobrevivência no tratamento dessa conflitualidade. A qualidade dos autoerotismos diminui o sentimento de dependência, apaziguando em parte, portanto, o ódio pelo objeto, que, por sua vez, influi na escolha da solução autoerótica ou heteroerótica. Sob formas diferentes e cada vez mais complexas, essa matriz permanece a organizadora da conflitualidade humana durante toda a vida e cria uma dialética entre a sobrevivência do objeto outro-sujeito e a consistência interna dos movimentos e dos conteúdos psíquicos. Quando o objeto externo sobrevive, ele aumenta a capacidade de sobrevivência interna dos diferentes movimentos psíquicos, e esta contribui para facilitar o trabalho de sobrevivência do objeto.

Entretanto, na adolescência se desenvolverão outras modalidades da problemática da sobrevivência, que, embora sejam globalmente semelhantes àquelas que acabamos de descrever, possuem muitas especificidades que convém examinar.

Minha hipótese global é a de que a sobrevivência – seja ela a sobrevivência de si mesmo, a do objeto ou até mesmo, como veremos mais adiante sua importância, a sobrevivência de um movimento afetivo ante seus antagonistas – é também um dos processos centrais da introjeção pulsional na adolescência (e, sem dúvida, em qualquer processo de introjeção), tanto quanto é central na prova de realidade. Em outras palavras, esse processo descrito principalmente na relação com a realidade externa me parece também estar ativo na prova de realidade psíquica. Concebo-o, portanto, como um dos processos essenciais da apropriação subjetiva e até mesmo – questão essencial na adolescência – da apropriação de si mesmo.

 

A prova de sobrevivência na adolescência e a apropriação subjetiva

 

Para abordar adequadamente a questão das formas da sobrevivência do objeto na adolescência, é necessário situar alguns aspectos essenciais da teoria da adolescência.

Tal como examinei em outra ocasião, em particular conforme meu capítulo do Manuel de Psychologie clinique et psychopathologie, mas também conforme outras publicações (2000, 2004a e 2004b), parece-me que a problemática central da adolescência deve ser situada em torno da revolução subjetiva desencadeada pelo surgimento dessa nova categoria de prazer que é o gozo orgástico, a potencialidade orgástica, ou seja, a potencialidade de ter acesso à especificidade do afeto de prazer denominado orgasmo.

Assim sendo, a problemática central da adolescência está envolvida na introjeção dessa experiência e do afeto que a caracteriza e na relação particular e paradoxal que ela mantém com o Eu. Relação particular no sentido de que ela supõe que a introjeção do afeto venha acompanhada por um desvanecimento, pelo menos parcial, das fronteiras do Eu, supõe uma forma de apagamento do Eu, tão bem marcado pela expressão popular petite mort3. A questão que se apresenta então ao sujeito e que comandará a introjeção da pulsão sexual é saber se o Eu sobreviverá a esse desvanecimento parcial de suas fronteiras, a essa petite mort, ou, ao contrário, sendo a ameaça muito grande, se ele travará uma luta contra a pulsão e sua emergência e tentará assassinar a pulsão para não correr o risco de sucumbir a ela.

Conhecemos as reações ascéticas que o adolescente pode desenvolver e a oscilação muitas vezes marcada nele de alternância entre momentos ascéticos de luta contra a pulsão e outros momentos em que, ao contrário, o Eu se deixa levar pelo fluxo pulsional.

Nesse processo, é evidente que a história anterior do sujeito e aquilo que ele pôde integrar serão determinantes, principalmente sua relação com a sedução e com a sedução primitiva da mãe. O papel da mãe primitiva não pode, de fato, como frequentemente se ouve dizer sem exame aprofundado da questão, ser descrito apenas como paraexcitante, o que não demonstraria senão sua fobia da pulsão e seu medo de sentir-se tentada a reintegrar o produto de sua concepção. É claro que também não se trata de pregar uma atitude materna que colocaria o bebê ou a criança em posição de ser transbordada por impressões pulsionais enigmáticas, o que definiria o abuso de excitação e de impressões não integráveis. Entre as duas posições, existe a função, que Freud acabou atribuindo às mães, de serem as primeiras iniciadoras do sexual, as primeiras sedutoras.

A clínica da primeira infância mostra, de fato, mães capazes de ensinar seus bebês a integrarem intensidades e impressões pulsionais cada vez maiores, isso graças às virtudes de sua sedução – pensemos, por exemplo, nas diferentes brincadeiras de cócegas ou da formiguinha que sobe, fazendo aumentar a tensão pulsional – que, se não tomar uma forma passional e respeitar os limites da criança, lhe permitirá aprender a tolerar quantidades de excitações pulsionais cada vez maiores, a suportar momentos de esquecimento de si mesma, a tolerar movimentos nos quais o Eu se desvanece como num orgasmo. É nessas primeiras experiências que se estabelecem as pré-formas sobre as quais poderão se apoiar na adolescência as futuras experiências orgásticas da sexualidade.

No enfrentamento dessa problemática, outra grande tentação da adolescência, junto com o ascetismo que já mencionamos, é a tentativa de controlá-la através das condutas ordálicas4, que levam à questão de uma das formas da destrutividade. Como acabamos de ver, a adolescência confronta-se com a questão da morte de si mesmo, estreitamente ligada àquela do pertencimento a si mesmo; a questão do gozo articula as duas, pois desfrutar de si é pertencer-se, mas esse pertencimento passa pelo desvanecimento de si mesmo e pela questão da sobrevivência. Esse paradoxo da apropriação de si mesmo, que passa, portanto, por um jogo em torno do desaparecimento de si mesmo, também será encenado muitas vezes na prova de si mesmo que as condutas ordálicas sempre comportam. Arriscar sua vida, pô-la em jogo e à prova equivale, de fato, a sentir também que ela lhe pertence ou a procurar determinar exatamente até onde ela lhe pertence e até onde se é seu dono.

Matar ou ameaçar matar o objeto em si, matar o filho maravilhoso da primeira infância, matar a criança pertencente à sua linhagem, aos pais, poder assim tentar se tornar a origem de sua própria linhagem, tornar-se pai ou mãe por seu turno, matar o filho do outro, o filho para o outro a fim de tentar pertencer a si mesmo, tudo isso se enreda e entra em conflito. Concebe-se que, se a prova ordálica é essencial nesse trabalho de conquista de si mesmo, de retomada de si mesmo, não é menos evidente que o fato de sobreviver a essa prova é igualmente determinante. É até mesmo essencial, pois sem isso a questão pode inclusive deixar de ser pertinente.

No entanto, também é preciso ter consciência de que, por outro lado, as condutas ordálicas representam não só um terreno de experimentação, mas também uma tentativa de dominar a relação singular morte-prazer. A ameaça de morte do Eu que o afeto orgástico comporta é vivida passivamente, quer o adolescente o queira ou não, ela existe de fato, ela se impõe a ele a partir de sua vivência corporal, da pressão pulsional, portanto, do id. As condutas ordálicas, ao contrário, estão sob o controle do sujeito, do Eu do sujeito, elas tentam ficar sob seu controle, é ele quem encena a relação de tais condutas com o limite, a morte, o gozo, a apropriação de si. Se, por um lado, seu valor está em fornecer ao Eu um campo de experiência, por outro, seu limite está nos procedimentos de controle, na rejeição do ponto de passividade essencial à experiência orgástica e a seu valor introjetivo. Eu incluiria facilmente a prática das bebedeiras, que podem até levar ao coma, e de outras experiências toxicomaníacas, que os adolescentes de hoje apreciam tanto, no âmbito dessas provas ordálicas de si. Eu as concebo como tentativas de criar deliberadamente estados subjetivos aparentados aos gozos orgásticos para se entregar a eles, desvanecer-se neles e, ao mesmo tempo, tentar controlar sua emergência. Veremos mais adiante o que elas supõem também em termos de tentativa de ausentar o objeto, o outro-sujeito, a questão do outro-sujeito, ou seja, aquela do seu desejo.

Precisamos também lembrar aqui, no mesmo curso processual, o que Winnicott (ano? falta a ref.) denomina a zona de calmaria da adolescência. Esta zona comporta evidentemente a dimensão depressiva que se manifesta com frequência, mas reduzir a primeira à segunda seria um erro que condenaria o adolescente a uma forma de impasse. Deve-se também ver nessa forma de tédio, de vacuidade, vivida pelo adolescente, a busca de uma posição passiva, a busca de um estado interno informe (amorfo, como se diz por vezes, o que significa sem forma) que, quando não for cultivado de forma excessivamente ativa, pode fornecer a base a partir da qual o adolescente se sente livre, sente pertencer a si mesmo, cava o estado interno a partir do qual pode emergir um sentimento de verdadeiro self. O informe – Winnicott nos ensinou a reconhecê-lo – é um pré-requisito para qualquer verdadeira conformação de si, um pré-requisito para qualquer subjetivação livre.

Mas a introjeção do afeto orgástico ameaça também os dados da relação interna com os objetos. O amor da criança – Freud (ano? falta a ref.) repete diversas vezes, com razão, esse fato – é marcado pela ternura. Ferenczi (ano? falta a ref.) fez inclusive dessa dimensão a especificidade da diferença entre a sexualidade adulta, que ele diz ser passional, e a sexualidade infantil, caracterizada pela ternura segundo ele. Sem pretender segui-lo completamente nessa distinção, somos forçados a reconhecer que a introjeção da pulsão genital, a exigência de gozo orgástico que esta comporta, ameaça o vínculo terno, cuja possibilidade de sobreviver a ela constituirá outro desafio da adolescência. Sabe-se que a necessidade de diferenciar os objetos de desejo dos objetos de amor terno atinge aqueles em que tal sobrevivência não se efetua em boas condições.

Outro aspecto dessa questão diz respeito também ao onanismo e à natureza da culpa que o acompanha. O comércio sexual interno com a representação do objeto, comércio que expressa a relação de objeto específica da forma pulsional envolvida, vai ao encontro da questão do objeto enquanto outro-sujeito, ou seja, sujeito de desejos que lhe são próprios. O comércio interno com a representação do objeto, o comércio onanístico com essa representação de objeto, atinge o objeto suporte da própria fantasia? A relação com o objeto outro-sujeito sobrevive a essa dominação interna exercida sobre sua representação? Como é que a representação interna do objeto e o objeto outro-sujeito se adaptam um ao outro? Será que podem coexistir?.Repito o que disse anteriormente sobre o fato de que, para Winnicott (ano?), a sobrevivência do objeto é uma condição para a organização de uma tópica psíquica em que representação de objeto e objeto externo possam ser diferenciados.

Outra forma de prova de sobrevivência que desejamos abordar agora diz respeito ao impacto da vida fantasmática na relação do adolescente com a realidade, a realidade do mundo em primeiro lugar e, depois, a realidade do outro-sujeito.

A potencialidade orgástica é vivida, especialmente no início da adolescência, como sendo quase equivalente da realização alucinatória, único registro de funcionamento subjetivo no qual a realização parece vir sozinha e imediatamente, única modalidade de verdadeira satisfação na primeira infância. Identifica-se aqui o dilema particular da adolescência em torno dos mecanismos ditos de tudo ou nada, o lado absolutista do adolescente, seu lado revolucionário. O adolescente terá de fazer o luto da redescoberta, através da sensação orgástica, das condições da alucinação primitiva e da ilusão de autossuficiência que a acompanha. Ele terá de diferenciar a realização da pulsão sexual, propriamente sexual, com a qual a adolescência o confronta, da realização alucinatória primitiva, descobrir que a adolescência, assim como a idade adulta, não é finalmente o momento eletivo da completa realização dos desejos arcaicos e infantis.

De certa maneira, ele terá de reconhecer que uma parte de seus sistemas de consolo infantil era ilusória. Matar a criança maravilhosa do narcisismo primário, matar o pai da horda, suposto de ter cumprido o ideal de total satisfação da primeira infância, significa matar a ilusão, renunciar à ilusão de uma satisfação concebida sob a forma de uma identidade de percepção, denunciar a ilusão da percepção imediata tomada na aparência primeira.

Essa ilusão certamente também deverá sobreviver, e o movimento do adolescente também sofrerá oscilações, vaivéns necessários a sua integração progressiva, a sua integração efetiva, mas a entrada no processo marca a fronteira do funcionamento adulto, do funcionamento daquele que atravessou a adolescência, que significa ter-se tornado adulto.

Os assassinatos assim cometidos tomarão diferentes formas: o adolescente gosta de derrubar os ídolos, assim como gosta de elevá-los, aprecia as grandes declarações definitivas sobre o mundo, as rupturas radicais com o mundo da infância e suas crenças, mas nestas o processo mortífero-crítico ocupa um lugar central.

A identidade de percepção, a crença nas formas de realização baseadas na aparência perceptiva das coisas, entregou seus impasses à economia do prazer. A potencialidade orgástica não é observada, ela é experimentada nas profundezas da subjetividade e, mesmo quando não é objetivamente percebida, está lá, produzindo seus efeitos além do que a sensação pôde dar. O mundo das aparências, o mundo no qual a infância se fundou em grande parte, é um mundo de ilusão ao qual somente o crédulo e a criança podem dar crédito; é preciso deixar de ser crédulo.

O adolescente porá à prova o mundo das aparências perceptivas, deverá pô-lo à prova: esse mundo sensível, o dos objetos materiais, que parece ser algo completo, revela-se não ser mais do que um vácuo turbilhonante de átomos imperceptíveis (física), as coisas se transformam numa alquimia de reações de substâncias invisíveis (química), forças impalpáveis governam secretamente o que não parecia ser senão naturalidade, essência das coisas. A identidade de percepção supunha objetos semelhantes a eles mesmos, a identidade de pensamento interroga essa identidade, atinge fortemente o ponto em que a coisa parece desprovida de pano de fundo, na inocência de sua forma manifesta.

Mas o adolescente deverá também pôr à prova a aparência do mundo dos adultos, a aparência das formas do socius: o adolescente duvida do mundo dos adultos, do mundo tal como os adultos querem fazê-lo acreditar que é, aqueles adultos que guardam seus segredos para manter suas prerrogativas e seus poderes. Ele duvida que a sociedade esteja organizada como parece estar: a globalização, o capitalismo internacional, o sionismo, ou então, num outro registro, a franco-maçonaria, os rosa-cruzes, os templários ou qualquer outra organização secreta presidem secretamente os destinos do mundo e nos logram sobre o verdadeiro motivo das coisas. Desde o início da adolescência, alguns se envolvem em experiências de parapsicologia, espiritismo, fazem girar mesas e movem objetos sob a ação de espíritos malignos, forças ocultas que algumas práticas podem revelar aos iniciados podem ser arrancadas de seu segredo. A criança latente não pode engajar-se em uma psicologia das profundezas, ela é restringida pelo manifesto; somente o adolescente pode explorar o mundo dos motivos inconscientes, dos desejos ocultos.

Poder-se-ia assim multiplicar os exemplos dessa colocação à prova das crenças primitivas, daquelas que organizam o mundo da infância. Sem dúvida uma parte dessa vasta interrogação e dessa colocação do mundo à prova já tinha sido realizada na latência ou mesmo na primeira infância, mas, além de não ter a amplitude do movimento adolescente, ela não era, à época, plenamente apropriável, estrutural.

Todavia, não se deve crer que o adolescente entra nessa empreitada de arma em punho e sorriso nos lábios, pois, mesmo que não falte entusiasmo ao movimento, ele pode ser tão inquietante quanto é estimulante. O que sobreviverá dessa colocação do mundo à prova? Em que é possível continuar a se apoiar tranquilamente? Que certeza pode constituir a base de segurança mínima sem a qual o mundo é povoado de estranheza ameaçadora e se torna hostil? Pois é preciso o sobreviver de si mesmo ao assassinato crítico do outro, sobreviver à sua própria revolução subjetiva. É preciso que a esperança sobreviva ao movimento mortífero-crítico, é preciso que o prazer de viver, a naturalidade do prazer de viver, sobreviva à perda da credulidade generalizada, à resolução do enigma do prazer orgástico.

Esse movimento adolescente não pode efetuar-se sem vaivéns, sem oscilações, sem momentos de pausa, de congelamento ascético, sem momentos de corpos perdidos ou mesmo de sujeitos perdidos, de subjetividade tomada na calmaria. Mas seria um erro interpretar esses diferentes movimentos, esses diferentes momentos, como sinais de regressão, pois justamente não o são. Nunca se volta para trás, exceto nas histórias de ficção científica ou de ficção metapsicológica; a menos que acreditemos nas viagens no tempo, eles fazem totalmente parte do processo, da necessidade diante da qual este pode efetuar-se somente fragmento por fragmento, detalhe por detalhe. Fazer o luto das crenças do passado, o luto da infância inocente e ingênua, da crença numa infância inocente e ingênua, fazer um luto subjetivamente apropriável supõe a escolha, a escolha livre. Por sua vez, esta escolha supõe que a evolução não seja forçada, que seja experimentada e verificada a possibilidade de conservar momentos e prazeres anteriores. Mas o luto supõe também que seja experimentado num dado momento o fato de que desejar conservar as satisfações anteriores custa, ao final, excessivamente caro e mais atrapalha do que conforta.

Não posso encerrar esse levantamento das formas da sobrevivência sem falar brevemente da relação que pode ser estabelecida com o mito da horda primitiva e do assassinato do pai da horda que o organiza, apenas mencionado anteriormente. O assassinato do pai da horda é a história de um pai que não sobrevive, e o fato de não sobreviver produz aquela forma de estrutura fetichista coletiva que é a organização da sociedade totêmica (em todo caso, em 1913, em Totem e tabu Falta a refer.), sociedade anistórica, tomada no tempo cíclico do retorno adiado do mesmo, numa forma de compulsão à repetição.

No entanto não é a última palavra de Freud sobre o mito. No anexo de Psicologia de grupo e análise do ego (ano? Falta a ref.), ele retoma a questão para encontrar no mito do poeta épico, o Dichter (referência?), uma nova solução que permite sair dos impasses do fetichismo coletivizado do Totem. Surge então uma outra figura do mito e da sobrevivência do objeto que é aquela que propus chamar de parecer sozinho perante o pai, devido à forma que ela assume no anexo de 1921 (referência). A invenção dessa nova solução talvez não deixe de estar relacionada com a possibilidade, para Freud, de retomar sua empreitada metapsicológica e mesmo de assentá-la sobre novos fundamentos além do princípio do prazer.

 

Conclusão

 

Para concluir, eu gostaria de destacar alguns resultados do meu percurso. Cada fracasso de uma forma da sobrevivência do objeto cria uma zona de fragilidade psíquica, ameaça de uma confusão entre a representação e o ato, de um colapso tópico, exacerba as formas da destrutividade, potencializa esta zona de fragilidade psíquica que é então ameaçada de produzir efeitos de destruição. Inversamente, cada êxito produz um efeito de aprofundamento da organização tópica e apóia o processo de diferenciação entre realidade interna e realidade externa, entre os objetos e os movimentos do mundo interno e os do mundo externo; cada êxito alivia a culpa e as ameaças de ser criminoso por sentimento de culpa. Aprofunda-se, portanto, a prova de realidade baseada na sobrevivência, que deve então ser considerada a terceira grande modalidade de prova de realidade, ao lado daquela baseada na motricidade e no distanciamento, e daquela baseada na prova de atualidade (Freud, 1915) falta esta ref., ambas baseadas em processos solipsistas. A diferenciação tópica assim aprofundada permite ao sujeito cometer, na realidade interna, o assassinato do objeto ou o assassinato de si mesmo, aplacar seu ódio, sem que este se traduza na realidade externa por outra coisa que não seja uma capacidade de diferenciação e de acesso à psicologia individual (Freud, 1921).

Os processos pertencentes à questão da sobrevivência do objeto estão em ação cada vez que o sujeito precisa pôr à prova o objeto, o mundo ou um aspecto destes. Mas também estão presentes mais discretamente na análise de todos os processos internos do sujeito, na medida em que herdam, em maior ou menor medida, a história do encontro com os objetos significativos da história. A psique não se construiu sozinha, construiu-se nos encontros, nas trocas com os objetos que também são outros sujeitos, tiveram seu modo próprio de resposta e não foram somente tomados na relação de objeto; construiu-se a partir de modelos oriundos das relações significativas. Quando se aborda a questão do autoengendramento, mesmo fora da questão do delírio, fala-se, sobretudo, da questão do engendramento do próprio sujeito e pensa-se menos no fato de que os processos psíquicos também não sejam autoengendrados e produzidos apenas pelo sujeito, mesmo que se trate de seus processos, mesmo que estejam nas mãos do Eu, mesmo que estejam interiorizados. A interioridade não pode mais ser considerada uma garantia de subjetivação efetiva; existem modos de apropriação subjetiva baseados em posições subjetivas alienadas, sem verdadeira escolha, resultando mais de soluções pós-traumáticas, elaboradas na urgência de desafios de sobrevivência psíquica. O sujeito teve de sobreviver ali onde a sobrevivência do objeto fracassou.

Resta-me, enfim, dizer algumas palavras sobre a vasta questão da sobrevivência do objeto no tratamento analítico. Do que foi dito antes decorre o fato de que a questão da sobrevivência estará em jogo no tratamento, sobretudo pela manutenção de uma atitude suficientemente constante; isso é sobreviver a um primeiro nível. Não somente, como se diz com muita facilidade, pela manutenção do setting, mas pela manutenção no setting da atitude psicanalítica que supõe uma constância afetiva suficiente e um modo de resposta que, independentemente do que aconteça, permanece concentrado na busca do sentido.

Evidentemente, não é em regime de cruzeiro que a questão se apresenta particularmente e, sim, nos momentos críticos; é no que eu chamo de situações-limite que a questão se torna pertinente. Insiste-se muitas vezes no fato de que a questão da sobrevivência está no centro da análise quando a destrutividade irrompe e que as formas da transferência negativa estão no cerne do processo, no entanto – é neste sentido que a concepção que proponho da sobrevivência do objeto vai além do que se afirma classicamente – trata-se também de sobreviver à transferência dita positiva, à transferência amorosa passional, à transferência idealizadora, etc. Em suma, sobreviver à própria transferência sob todas as suas formas, e sobreviver à transferência é poder encontrar suas raízes históricas.

Ser atingido é aceitar ser afetado pela transferência, aceitar sofrer a penetração atuada da transferência em nossos estados afetivos, em nosso pensamento e… sobreviver, ou seja, permanecer analista. Isso significa fazer algo criativo com o que se apresenta, talvez não imediatamente, talvez não sem dificuldade. É esse o sentido, para mim, da benevolência na escuta. Estar à escuta do que existe de criativo, inclusive nas manifestações da transferência dita (portanto erroneamente dita) negativa. A benevolência sendo e permanecendo uma condição de possibilidade da análise. Assim sendo, sobreviver subordina-se a esse fundo de benevolência (de empatia, talvez de simpatia) sem o qual a análise não pode se realizar.

 

 

Referências

 

ROUSSILLON, R. (1991). Paradoxes et situations limites de la psychanalyse. Paris: PUF.

 

________. (2000) Manuel de Psychologie clinique et psychopathologie 2000,

 

________. (2004a). Les enjeux de la symbolisation à l’adolescence. Adolescence, N° Spécial Congrès de L’ISAP

 

________. (2004b). Pulsion et intersubjectivité.Adolescence, 735-755, 2004, N°50, Esprit du temps ;

 

________. (2004c). Adolescence et les situations limites de la psychanalyse. Bulletin du groupe lyonnais de psychanalyse . Actes du colloques des ARCS

 

________. (2004d). La relation homosexuelle primaire ‘en double’ et la dépendance primitive. Revue française de psychanalyse Vol. : LXVIII, N° : 2, avril-juin 2004, pages 421-439

 

 

Tradução: Vanise Dresch

Revisão técnica: Gisha Brodacz

 

[1] Talvez mesmo em todos os casos: o bebê acaba (se) tomando (por) e tende a assimilar o que o ambiente lhe “reflete”dele.

2 NR No original, há um jogo de palavras.: “…tout se produit, tout seul, tout ensemble tout de suite, tout en un…”.

3 NT- Em linguagem popular, esta expressão francesa designa o orgasmo. Essa analogia à « pequena morte » pode ser explicada pelo fato de que o orgasmo é uma suspensão provisória da falta e do desejo, como a morte que abole todas as tensões da vida. Georges Bataille usa esse termo em seu romance Madame Edwarda.

4 NR – Comportamento de correr riscos ligado à ordália, ritual de julgamento na Idade Média, em que, por um lado, a prova apontaria aquele que deveria triunfar, escolhido por um poder divino e, de outro, colocaria a pessoa em risco de morte iminente. Culminaria em uma tentativa de suicídio aparentemente inexplicável ou acidental.